sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Sessão Contos - Noite Escura

Era dia 28 de dezembro. O dia da semana não importa, pois era naquela semana entre Natal e Ano Novo, em que o tempo parece passar de forma diferente. Um ônibus de viagem descia a serra em direção à praia, cercado por outras centenas de carros, ônibus e caminhões de pessoas que tiveram a mesma ideia, num mar de luzes vermelhas que se estendia até o horizonte.

Lá dentro, os típicos sons de pessoas que não se conhecem. Embalagens plásticas de salgadinho, tosses, bebês rindo e chorando, gente ouvindo música alta demais no fone.

A luz interna era num tom azulado, e um rapaz franzino, de óculos redondos e cabelo cortado de tigela tentava dormir. Sua relutância em se entregar ao sono se dava pois precisaria descer antes do destino final. Então precisava avisar ao motorista quando estivesse chegando.

Em dado momento, o garoto olhou pela janela e percebeu a neblina do lado de fora, típica da serra, e via as luzes da estrada destacando as silhuetas da floresta ao redor. Tudo isso acompanhado pelas típicas chuvas de verão. A noite estava particularmente escura, mas ele não estranhou, afinal estava nublado e chovendo.

O rapaz estava sentado na poltrona do corredor, e de repente reparou que a garota que estava ao seu lado da janela não estava mais lá. Provavelmente foi ao banheiro, mas o estranho é que ela passou por ele sem acordá-lo. Mas até aí tudo bem, ele podia ter cochilado e dado passagem sem nem perceber.

Então olhou para o outro lado do ônibus. As pessoas que antes estavam nas poltronas do outro lado do corredor também não estavam lá. Então olhou ao redor e viu que o ônibus inteiro estava vazio.

Olhou para o lado de fora, e o ônibus ainda estava andando, porém sozinho na estrada escura. Nenhum dos veículos de antes, nada de trânsito. Apenas a chuva, as luzes dos postes e a neblina densa.

Se o ônibus estava andando, ele concluiu que pelo menos o motorista ainda devia estar lá. Rapidamente, o jovem se levantou e correu para a cabine. Mas a porta estava trancada, e o motorista não estava lá.

Ele então se viu em um veículo de pelo menos 10 toneladas correndo sem controle pela estrada. Pelo vidro que o separava da cabine, viu que havia uma curva à frente. E que o ônibus não estava dando nenhum sinal de que seguiria a estrada, e rumava para uma queda livre de dezenas de metros na serra.

Tentou chutar e esmurrar a porta, mas viu que seus esforços eram inúteis.

Então tomou uma medida desesperada. Correu para o fundo do ônibus e se enfiou entre a última e a penúltima fileiras de assentos, torcendo para que seu impacto fosse amortecido na queda.

Alguns segundos de tensão.

E de repente o ônibus deu um salto e só se ouviu o estrondo de concreto e aço se chocando.

Então o ônibus estava em queda livre. Durante a queda, ele teve a sensação de que a gravidade desapareceu. E de repente voltou, com o impacto nas copas das árvores, descendo pelos galhos e enfim chegando ao solo.

O garoto rolou pelas poltronas, se cortou nos cacos de vidro espalhados até enfim chegar ao chão, que agora era a cabine do ônibus, que parara em pé com a frente no solo enlamaçado.

Com as janelas quebradas, a chuva agora o alcançou.

Ele conferiu se todos os membros estavam inteiros e se estava sangrando. Fora os cortes superficiais dos cacos de vidro temperado das janelas, ele estava bem. Estava inteiro, pelo menos.

Tirou seu celular do bolso, cuidando para não tomar chuva, mas estava sem sinal. Nem da operadora, e nem do GPS pra ter alguma ideia de onde estava e tentar chamar algum resgate.

Então se lembrou do compartimento de bagagens! Correu para o lado de fora e conseguiu abrir as portas, o que foi fácil pois estavam avariadas pela queda.

Estava tudo cheio! Todas as malas ainda estavam lá. Com roupas, e talvez até comida.

Ele tomou a liberdade de abri-las, já que seus donos meio que haviam desaparecido.

Explorou todas as malas, uma por uma. Colocou um casaco grande e impermeável que encontrou, e pegou uma mochila para colocar todos os mantimentos que encontrasse, para seguir sua jornada de volta à estrada.

Pegou algumas garrafinhas de água, e uns pacotes de bolacha. A luz azul no interior do ônibus continuava acesa, o que o ajudou.

Quando terminou de separar as coisas, olhou para a floresta ao seu redor, banhada pela luz prateada da lua.

E olhou para cima, para calcular seu caminho de volta à estrada.

Mas ele não a encontrou. A estrada havia desaparecido também.


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