segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Sessão Contos - Histórias de Dona Zifa

Vou tentar contar de maneira fiel, mas resumindo e juntando algumas coisas, as histórias da dona Zifa, ex-esposa do Tio Dito. 

"Eu nasci numa cidade chamada Cabo Verde, em Minas Gerais, em 1937. Meu pai era Cantador de Reis da tribo. Tapuia. E minha mãe era branquinha, linda, sabe? Uma vez um macaquinho tava comendo banana quando a gente passou e quando ele viu minha mãe começou a mostrar o pintinho, sabe? Meu pai queria matar ele! Mas não conseguia acertar uma flecha nele.


A gente ficava o dia todo no Rio pegando peixe com a lança. Acendia uma fogueira assim do lado do rio, e ficava ali. Pescando e já comendo.


Quem tinha boa mira era meu irmão. Ele via o tiú, assim de longe, e vum! Acertava de primeira. E o bichinho ficava assim tentando se soltar, sabe? Minha mãe fazia umas paneladas, nossa, muito boas.

Teve uma vez também que a gente encontrou duas emas, sabe? Uma escapou, que correu e pulou o córguinho, mas a outra... Tinha uns paraguaios lá que usavam carabina pra caçar e eles conseguiram pegar. Um deles pegou uma pena do rabo que ele queria e deixou a carne pra gente... A perna dela era assim que o joelho era do tamanho do joelho de um boi. E depois minha mãe fez uma panelada também, que deu quatro baldão de carne.

Meu irmão, quando tinha 17 anos, saía ele mais três amigos e falava pra minha mãe "Olha, mãe, nem pensa em mim, que eu não sei quando volto e nem se eu volto". Aí ele saía com três amigos, encontrava boiadeiro assim na estrada, levando a boiada, né? Matava o peão com arco, pegava o berrante e ia levar a boiada pra outro canto pra vender. Aí começaram a perceber que tava sumindo peão e boiada. E começaram a procurar meu irmão.


Um dia ele tava na estrada assim e deu de cara com um monte de camburão e um padre em cima de um jipe. Meu irmão falou que o gado era dele e ele tava indo vender no Paraguai. Mas eles já sabiam, e começaram a atirar.

Meu irmão voou que era igual o vento. Ia pra lá e pra cá e ninguém acertava ele. E diz que quando acertava, saía fogo assim da pele e não machucava ele. É que quando ele nasceu, meu tio fechou o corpo dele, sabe?

Aí o padre falou "Me dá 14 balas", ele benzeu elas e quando conseguiram cercar meu irmão, aí mataram ele. Com as balas do padre.

Quando eu tinha 12 anos, a gente saiu. Eu e minha família. A gente saiu lá de Cabo Verde e foi até o Rio de Janeiro. Foi três meses caminhando no mato. Era subida e descida. Aí à noite parava pra acender uma fogueira e comer.

Chegando no Rio, a gente foi no Palácio do Catete. Ninguém entrava lá, mas nós entramos. Pela porta da frente. Meu pai foi lá falar com o Getúlio Vargas, e ele falou assim "Vou dar um terreno pra vocês, bem grande. Pra vocês poderem trabalhar.


Aí nós voltamos. Lá pro Mato Grosso. E ganhamos o terreno mesmo. Era enorme. A gente plantava lá cenoura, batata, couve, mandioca, tinha porco, tinha galinha.

Depois eu vim pra São Paulo. Eu vim andando lá da cidade até a Estação da Luz. E aí conheci o Dito. No começo eu não queria saber dele. Me escondia embaixo da cama quando ele aparecia em casa."

Eu sei que tem muitas informações desencontradas, que parecem não fazer muito sentido. Mas estas histórias tem por volta de 80 anos, então não estão muito fresquinhas mesmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário