segunda-feira, 22 de setembro de 2014
Sessão contos - "Me conte sua história"
Eu tinha acabado de sair do Manifesto e estava andando até o carro, quando um cara usando um moletom de capuz chegou perto de mim e começou a falar:
- Aí, mano, o negócio é o seguinte - e eu pensei "perdi preiboi", mas então ele continuou - eu tô com a minha filha e com a minha esposa ali me esperando. Eu tive um dia horrível, não tinha sapato pra engraxar - então eu reparei na caixinha de engraxate que ele levava no ombro - e eu preciso comprar fralda pra minha filha. Você pode me ajudar?
- Puts, cara, to sem nada aqui - mostrei a carteira vazia
- Mas não tem como passar no cartão? A farmácia é logo ali na esquina.
- Pô, é que é complicado, né? Não dá pra confiar e ir andar assim com um desconhecido à essa hora da noite.
- Não, cara, eu to aqui na humildade, não to pra fazer maldade não. To até agora tentando arrumar essa fralda pra minha filha. O cara aqui da rua até me conhece, eu to todo dia por aqui.
Eu pensei um pouco e respondi
- Beleza, vamo lá - eu sabia que se eu não fosse, ele teria que ficar lá até conseguir comprar a fralda.
Chegando na farmácia, ele pegou um pacote de fraldas Pampers, que custava 52,90. Quase o mesmo que eu tinha acabado de gastar no Manifesto. Eu paguei e a gente saiu da farmácia.
- Muito obrigado, viu, fica com Deus.
- Mas espera, eu quero uma coisa em troca. Eu quero que você me conte a sua história.
Ele abriu um sorriso meio contido e com os dentes tortos, mas um dos mais sinceros que eu vi nos últimos tempos.
- Ah, minha história é essa. Eu trabalho engraxando sapato aqui.
- Onde você mora?
- Ali na favela da Águas Espraiadas, sabe?
- Sei. E você é daqui de São Paulo mesmo?
- Sou.... É, eu fiz umas bobagens quando eu era mais novo, tive problema com a Justiça...
- O que a conteceu?
- Eu segui uns caminhos errados aí na vida, fui fazer um roubo, mas não deu certo. Aí eu paguei pelo meu erro... Mas agora to aqui, com a minha esposa e minha filha e trabalhando aqui.
- Bom, baleza. Valeu.
- Valeu, boa noite. Deus vai te iluminar, viu?
- Bom, eu não sou muito religioso, na verdade. Quando me perguntam eu falo que eu acredito no amor. Não só o amor de casal, mas o amor pelos filhos, o amor pela vida, pela humanidade... Fazer o bem, sabe?
- Sei...
- Então falou aí, boa noite!
- Boa noite! Fica com Deus!
- Você também!
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